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Comentários sobre a proposta de alteração do Código de Defesa do Consumidor

Por Ricardo Bernardi.

Surpreendeu muito a aprovação de proposta para alteração ao art. 39 do Código de Defesa do Consumidor pela Câmara dos Deputados, de forma que a cobrança pelos serviços de transporte de bagagem passe a configurar prática abusiva. Nada melhor descreve os efeitos da notícia do que perplexidade e incompreensão acerca da motivação de tal medida, que, caso sancionada, representaria um retrocesso em termos de modernidade na regulação do transporte aéreo e colocaria o Brasil em descompasso com as melhores práticas mundiais.

Não pode haver intervenção do Estado quanto à formação do preço e condições para contratação dos serviços de transporte aéreo, sob pena de violação dos princípios que norteiam a ordem econômica previstos no art. 170 da Constituição Federal, especialmente a livre concorrência, segundo o qual o empresário é livre para estabelecer preços de acordo com as condições de mercado.

A liberdade tarifária, entendida como direito de definir preços e condições de contratação, também é garantida por tratados internacionais firmados pelo Brasil.

A Convenção de Chicago, promulgada no Brasil por meio do Decreto 21.713/1946, teve o propósito de criar um sistema legal harmonizado em que os operadores dos serviços pudessem ter segurança jurídica e, portanto, previsibilidade, para planejar a execução de suas atividades em todo o mundo. Com base nessas premissas, implementou-se o regime das “liberdades do ar” a partir de Acordos sobre Serviços Aéreos (ASAs), que são tratados firmados entre países para estabelecer as condições necessárias para oferecimento de serviços de transporte aéreo entre os signatários. O Brasil firmou acordos de serviços aéreos com mais de cem países.

Os tratados mais modernos – acordos de céus abertos – implementam regimes nos quais vigora menor regulamentação e fomentam ampla concorrência entre as empresas aéreas, firmemente embasados na liberdade de contratação e fixação de tarifas.

Tome-se como exemplo o mais recente tratado entre o Brasil e os Estados Unidos, de março de 2011, o qual prevê que “cada parte permitirá que os preços para o transporte aéreo sejam estabelecidos pelas empresas aéreas de ambas as partes com base em considerações comerciais do mercado”.

No mesmo sentido destaca-se acordo firmado com a Suíça, aprovado por decreto legislativo do Senado, segundo o qual “as tarifas cobradas pelos serviços poderão ser estabelecidas livremente pelas empresas aéreas designadas”.

A proposta de alteração legislativa, ao buscar controle de preços na forma de proibição de contratação do transporte de bagagem sob o manto de alegada e equivocada abusividade, na realidade fere os interesses do consumidor: o que viaja sem bagagem despachada, que pagará por serviço que não usa; e o que viaja com bagagem, já que a inclusão de custos associados ao transporte de bagagem no valor do bilhete impede a devida alocação de despesas e receitas, o que gera potencial aumento no preço pelo serviço.

Conforme mostra a experiência e os estudos no campo da economia, a interferência do Estado na formação do preço de bens e serviços não promove justiça social nem protege efetivamente o consumidor, mas sim causa redução nos investimentos e desincentiva a atividade econômica.

A constante tendência populista de impor tabelamento ou congelamento de preços, como se pretende por meio da alteração legislativa, já foi responsável por longos períodos de estagnação econômica, e é isso que ocorrerá caso medidas como esta sejam incorporadas ao nosso ordenamento jurídico.

Artigo publicado originalmente no jornal O TEMPO: https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/cobranca-pelo-transporte-de-bagagem-nos-avioes-1.2666821